Jornal O Globo - 16 de maio de 2024
Enquanto celebridades desfilavam no tapete vermelho do Met Gala em Nova York, na semana passada, ativistas pró-Palestina protestavam perto do local onde o evento ocorria, muitos sendo presos em seguida. Paralelamente, críticas ao evento luxuoso em meio a uma catástrofe humanitária sem precedentes se espalhavam nas redes sociais, sobretudo no TikTok, culminando em um amplo movimento digital de "boicote" de famosos considerados neutros sobre a guerra na Faixa de Gaza — que já deixou mais de 35 mil mortos no enclave palestino, alvo de retaliação de Israel há pouco mais de sete meses após um ataque do grupo terrorista Hamas que matou cerca de 1.200 pessoas em território israelense e deixou aproximadamente 240 reféns. O movimento reflete uma tendência observada na plataforma, onde postagens pró-Palestina predominam, conforme revelou um estudo recente.
O ponto catalisador da mobilização on-line foi uma menção à frase "que comam brioche!" — comumente atribuída à rainha Maria Antonieta às vésperas da Revolução Francesa, no século XVIII — por uma influencer americana, Haley Kalil. A infame menção à monarca — esposa do rei Luís XVI e que acabou guilhotinada — ocorreu em um vídeo da tiktoker para promover um evento pré-baile, tendo sido divulgado logo após um alerta do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PMA) sobre a situação em Gaza. Segundo a ONU, praticamente toda a população do enclave, de 2,3 milhões de pessoas, foi deslocada e está ameaçada pela insegurança alimentar, com risco iminente de fome extrema.
O vídeo foi o suficiente para aumentar a indignação na rede social, levando ao surgimento do movimento "Blockout 2024", que ganhou força rapidamente. A premissa é simples: bloquear as redes sociais de celebridades que não se utilizam da influência que têm para destacar a crise humanitária em Gaza, com o intuito de impactar seu engajamento e, consequentemente, reduzir a receita com publicidades, fazendo-as perder dinheiro.
Ainda é incerto, porém, se o movimento será duradouro e com impacto real ou apenas uma "trend" momentânea, como explica a diretora do NetLab (Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais) da UFRJ, Marie Santini. Para ela, há ainda a possibilidade de um efeito "rebote", com fãs agindo em defesa das celebridades afetadas, aumentando assim a relevância e o engajamento nesses perfis.
A pesquisadora acrescenta que fenômenos irruptivos como este já aconteceram em outras ocasiões, como a Primavera Árabe — uma série de manifestações populares que ocorreram em diversos países do mundo árabe, principalmente no Oriente Médio e no Norte da África, a partir de 2010, levando à queda de vários regimes ditatoriais — mas ressalta que alcançar o sucesso não é uma tarefa simples.
— Raras campanhas de boicote têm um efeito prático de médio prazo — explica. — Porém, eventos desse tipo, que sejam capazes de ultrapassar um determinado ponto de inflexão e realmente viralizar de forma imparável, a ponto de mudar o patamar de seguidores e a relevância de determinados perfis na plataforma, podem acontecer, mas são raros.