Le Monde Diplomatique Brasil - 23 de maio de 2024
A desinformação tem sido uma barreira contra a ação climática. Para se ter uma ideia, uma avalanche de fake news foi divulgada após as enchentes iniciadas no dia 26 de abril de 2024 no Rio Grande do Sul, o que representa a maior tragédia ambiental do estado. A difusão de supostas falhas nas ações do governo federal, passando por golpes no pix sobre doações até a causa dos temporais foram marcas da desinformação que pairou sobre a situação climática em curso.
O despreparo do poder público em todos os âmbitos com as questões de clima é fato. Contudo, é urgente relacionar os fenômenos, tanto da desinformação disseminada por políticos negacionistas, como de dados científicos sobre mudanças climáticas, que há anos vêm sendo divulgados por universidades brasileiras e pelas Nações Unidas. Talvez, se houver uma compreensão do dissenso sobre desinformação entre os diferentes setores, seja possível elaborar estratégias de enfrentamento mais condizentes com o cenário atual brasileiro.
Além do Congresso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revisou e apresentou alterações à Resolução n° 23.610/2019 que relaciona atos de campanha eleitoral no ambiente digital, já para as eleições de 2024. Medidas como a transparência em anúncios eleitorais, com a criação de um repositório que categorize os anúncios, seus valores e influência no processo eleitoral. Além da proibição do uso de inteligência artificial e deep fake durante a campanha eleitoral. “Embora vejamos com bons olhos as determinações do TSE, elas não são um antídoto para os problemas. O cumprimento das decisões ainda depende em grande parte da proatividade dos próprios anunciantes, que não pode ser facilmente observada, mensurada e fiscalizada”, destaca Rose Marie Santini, professora e diretora do Laboratório de Pesquisa em Internet e Redes Sociais (NetLab/UFRJ).
As empresas de tecnologia têm um discurso amigável e conciliador, porém seguem dificultando a pesquisa e a auditabilidade dos dados. A maior parte delas é estadunidense, e voltada essencialmente à garantia de lucros. “Isso é uma consequência do modelo de autorregulação das plataformas, segundo o qual elas dizem seguir rigorosamente seus próprios termos de uso para garantir que não estão colocando em risco a segurança de seus usuários. No entanto, nossos estudos mostram que, na prática, os termos de uso das plataformas não impedem o impulsionamento de desinformação, atividades ilícitas e potencialmente criminosas, o que faz com que elas lucrem com esse tipo de conteúdo”, afirma Santini.
Em 2023, os estudos que a diretora do NetLab coordena identificaram o investimento da extrema-direita na veiculação de anúncios ligados a questões socioambientais, ataques à imprensa e violência de gênero. “Dentre as estratégias utilizadas, podemos citar a instrumentalização e distorção de determinados debates para o favorecimento de políticas de seus interesses, como em publicações pagas que pediam para a população que cobrasse seus representantes a votar a favor do Marco Temporal. Em outros casos, a estratégia de microssegmentação, muitas vezes unida ao uso de discursos motivacionais, também servia para alcançar mais pessoas e divulgar caravanas e manifestações pró-Bolsonaro”, detalha.