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Kwai pagou por fake news, clonou contas e impulsionou presidenciáveis no Brasil

Revista Piauí - 05 de janeiro de 2023



Em uma manhã de junho de 2022 os executivos brasileiros do Kwai, uma rede social de vídeos curtos, chegaram à sede da empresa em São Paulo para a primeira tarefa do dia: discutir os relatórios enviados durante a madrugada pela matriz, situada em Pequim, onze horas à frente do horário brasileiro. Naquele dia, o relatório de seis páginas, escrito em inglês e mandarim, trazia um título quase burocrático: “Riscos com os KwaiCuts e a eleição brasileira de 2022.” Mas o assunto era delicado e vinha sendo tratado em sigilo. Sua leitura mostrava o lado obscuro da rede social no Brasil.


KwaiCuts, ou cortes do Kwai, é o nome interno que designa todo material que a rede social encomenda a agências de conteúdo. Na guerra para aumentar sua audiência, o Kwai compra delas conteúdos capazes de despertar interesse e aumentar o tempo de permanência do usuário na rede. Às vezes, o Kwai diz às agências o que quer. Em 29 de dezembro de 2022, por exemplo, encomendou vídeos sobre Pelé, que acabara de morrer. Na maioria das vezes, porém, o Kwai não especifica nada, simplesmente quer conteúdo viralizante – mesmo que seja falso e mentiroso.


O relatório daquela manhã trazia uma mostra dos conteúdos produzidos pelas agências nas duas semanas anteriores e apontava 26 vídeos “problemáticos”, todos sobre a eleição presidencial que se aproximava. Os vídeos correspondiam a 22% de tudo que fora publicado como KwaiCuts na rede sobre política. O documento não detalhava o conteúdo dos vídeos. Dizia, genericamente, que continham “desinformação política”.


Uma série de medidas enérgicas para barrar posts com mentiras poderia ser tomada, mas o próprio relatório expunha a dúvida: a empresa deveria excluir os vídeos da rede e, assim, evitar penalidades e eventuais multas de autoridades brasileiras? Ou deveria ignorar deliberadamente as falsidades e, assim, aproveitar o potencial dos conteúdos para atrair mais e mais audiência?



 


O documento é um caso raro no mundo subterrâneo das gigantes da tecnologia, as chamadas Big Techs. As grandes redes sociais do planeta – Facebook, Instagram, TikTok, ex-Twitter – têm sido acusadas de divulgar mentiras e mensagens de ódio, que são turbinadas pela mão invisível do algoritmo em busca de audiência. Mas é a primeira vez que se tem prova material de que uma rede social encomendou, ela própria, conteúdos viralizantes, que vieram recheados de fake news.


“O fato de uma plataforma contratar uma agência para produzir conteúdo já é escandaloso”, surpreende-se a pesquisadora Rose Marie Santini, coordenadora do NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “As plataformas alegam que não podem se submeter a leis brasileiras porque não são meios de comunicação. Alegam que são empresas de tecnologia e, portanto, não podem ser responsabilizadas pelo conteúdo. Se contratam uma agência, elas então são produtores de conteúdo, não importa se são empresas terceirizadas.”




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