Folha de S. Paulo - 23 de maio de 2023
Um dos casos emblemáticos de manipulação da história da tecnologia que todos os brasileiros conhecem é sobre quem inventou o avião. Em 1906, Santos Dumont criou seu próprio avião e conseguiu fazê-lo voar em Paris, caso documentado com fotos e testemunhas. Porém, em 1908, os irmãos Wright apareceram na França alegando terem inventado primeiro. Ao serem questionados sobre as evidências de que isso teria ocorrido, eles alegaram que a invenção foi feita "em segredo, sem testemunhas" e nunca apresentaram qualquer comprovação de que foram os precursores da aviação. Sem provas, como acreditar na versão dos irmãos Wright?
Essa história nos faz pensar no comportamento do Google na semana em que seria votado o projeto de lei 2.630 no Congresso Nacional, conhecido como PL das Fake News. O principal objetivo do projeto é proteger usuários, consumidores e anunciantes brasileiros. Se aprovado, as empresas de tecnologia terão que respeitar as leis brasileiras, ter transparência sobre publicidade e algoritmos, além de responsabilidade sobre seus serviços. As big techs são contra o PL porque a regulamentação aumentará seus custos. Quais foram, contudo, as estratégias do Google para tentar interferir na votação?
O Netlab-UFRJ (Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro) publicou um relatório de pesquisa na véspera da votação, divulgado nesta Folha ("Google lança ofensiva contra PL das Fake News, mostram emails e relatório", 1º/5), explicitando que o Google se aproveitou de sua posição de liderança no mercado de buscas para tentar influenciar negativamente a percepção dos usuários sobre o projeto. Mostramos que o Google anunciou e veiculou anúncios contra o PL 2.630 de forma opaca, burlando suas próprias regras e os termos de uso de outras plataformas. Também reunimos evidências de que o Google apresentou resultados de busca enviesados para usuários que pesquisavam por termos relacionados ao projeto, mostrando perguntas sobre "PL da Censura", nome usado pela oposição para atacar a proposta, e não por "PL 2.630" ou pelo apelido oficial "PL das Fake News".