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Desinformação científica: uma pandemia de mentiras

Jornal da USP - 11 de agosto de 2023



A médica sanitarista e pediatra Jorgete Maria e Silva está acostumada a esclarecer dúvidas sobre a segurança de vacinas. É uma atribuição básica do seu trabalho no Ambulatório de Reações a Vacinas (RAV), que ela coordena no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP. Dúvidas e preocupações são comuns há bastante tempo, relata ela, motivadas em parte pelo sucesso dos próprios imunizantes, que fizeram muitas das doenças contra as quais eles protegem parecerem coisas do passado. “As pessoas não têm mais medo da doença, elas têm medo do que o filho delas pode apresentar depois de tomar a vacina”, diz a pediatra.


A situação piorou muito nos últimos anos, ressalta ela. Além das preocupações cotidianas sobre febre, dores e eventuais contraindicações de um determinado imunizante, começaram a surgir medos infundados sobre o risco de as vacinas alterarem o DNA, afetarem a inteligência, causarem infertilidade ou até mesmo a morte de crianças. “Começou com a da covid, mas acabou extrapolando para qualquer vacina”, relata Silva. Quase sempre, segundo ela, a fonte da desinformação são as redes sociais; e nem sempre os médicos conseguem mudar a percepção dos pacientes. “As fake news ganharam uma força muito grande”, lamenta a médica. “O que a gente fala de correto não suplanta o que as pessoas veem nas redes sociais.”


O relato dela ao Jornal da USP está em sintonia com os resultados de uma pesquisa realizada no início deste ano pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), em parceria com o Instituto Questão de Ciência (IQC), com mais de 980 pediatras, que apontou as mídias digitais — em especial, as redes sociais — como principal fonte de hesitação vacinal entre as famílias atendidas por esses profissionais. “Estamos falando de um fenômeno que tem uma dependência muito grande dessas estratégias de comunicação”, disse o coordenador do levantamento e professor de Psicologia Social da Universidade de Brasília (UnB), Ronaldo Pilati. “As pessoas estão passando muito tempo dentro dessas plataformas, consumindo muita informação e produzindo atitudes com base nisso.”


Nas palavras da professora Marie Santini, diretora do Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pandemia promoveu um “grande encontro do negacionismo científico com a indústria da desinformação”, em que interesses econômicos, políticos e ideológicos se misturaram num grande caldeirão de notícias falsas e teorias da conspiração sobre a covid-19 e tudo mais que acontecia no País naquele momento.


“A pandemia desnudou algo que já estava acontecendo, mas que não tínhamos ideia do tamanho nem da complexidade da ameaça que iríamos enfrentar”, avalia Soraya Smaili, referindo-se ao uso das plataformas digitais (redes sociais e aplicativos de mensagens) para a propagação sistemática de desinformação e discursos de ódio contra cientistas, universidades e outras instituições públicas de pesquisa que se contrapunham ao negacionismo científico do governo federal.



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