Em todo o mundo, mulheres têm sido alvo de campanhas baseadas em preconceitos de gênero, disseminadas de forma coordenada e destinadas a minar suas agendas cívicas ou políticas (Di Meco, 2023). O termo “violência de gênero facilitada pela tecnologia” (Khoo, 2021) se refere a como plataformas digitais são centrais na perpetuação de violências e assédios contra mulheres por fornecerem mecanismos eficientes para usuários promoverem ódio e desinformação baseada em gênero.
A lógica algorítmica e o modelo de negócio das plataformas digitais, ao privilegiar conteúdos que prendem a atenção dos usuários, reforçam estereótipos de gênero (Ali et al., 2019) e auxiliam na proliferação de narrativas nocivas (Di Meco, 2023). Apesar de plataformas como a Meta afirmarem, em seus termos de uso (Meta, [s.d.] a), que investem em políticas moderadoras contra discursos de ódio e desinformação, a autorregulação não tem sido eficaz para evitar os danos causados às mulheres (Díaz; Hecht-Felella, 2021).
O que tem acontecido, então, é a proliferação de comunidades online em oposição ao feminismo, fenômeno que vem sendo chamado de “misoginia em rede” (Banet-Weiser; Miltner, 2016). Espelhada no feminismo em rede e na sua lógica de apoio mútuo e criação de conexões online, a misoginia em rede cria comunidades de apoio tóxico, compondo a chamada “manosfera” (Ging, 2017). Essas comunidades se conectam e são instrumentalizadas por campanhas de ataque a mulheres por meio de estratégias de contágio e influência.
Além da violência de gênero organizada por comunidades misóginas, que facilita ataques e campanhas de desinformação contra mulheres, o ambiente desregulamentado das plataformas digitais possibilita, ainda, outros tipos de crimes contra mulheres — como, por exemplo, a veiculação desenfreada de anúncios com golpes e fraudes que segmentam e dialogam especificamente com mulheres. A lógica sociotécnica das plataformas permite ainda que esses atores sociais operem de maneira opaca e microssegmentada (com base em dados pessoais de cada usuária). Desse modo, põe-se em risco sua saúde física e mental, além dos prejuízos materiais.
Assim, faz-se necessário coletar evidências que possam embasar ações e políticas públicas pelo Ministério das Mulheres do Governo Federal para combater violência e a desinformação de gênero online. Este relatório traz a primeira contribuição nesse sentido. Aqui apresentamos os resultados da primeira etapa da pesquisa “Observatório da indústria da desinformação e violência de gênero nas plataformas digitais”, conduzida pelo NetLab UFRJ para o Ministério das Mulheres do Governo Federal brasileiro, no âmbito da iniciativa Brasil Sem Misoginia.
Nessa fase da pesquisa, o objetivo principal é identificar, arquivar e analisar anúncios tóxicos que impactaram mulheres e foram impulsionados em uma ou mais plataformas da Meta — Facebook, Instagram, Messenger e Audience Network. Em 28 dias de coleta, foram identificados 1.565 anúncios tóxicos que impactaram mulheres e apresentaram indícios de comportamento misógino, de golpes ou fraudes direcionados a mulheres ou de irregularidades na oferta de produtos ou serviços para o público feminino. As peças estavam ativas por diferentes períodos entre 1 de janeiro e 9 de fevereiro de 2024, mas algumas já circulavam há algum tempo quando coletadas.
Além disso, mapeamos perfis, páginas e sites envolvidos na divulgação de produtos, serviços e/ou tratamentos suspeitos, enganosos ou fraudulentos, com potencial de causar danos à saúde das mulheres. Também mapeamos perfis, páginas e sites que promovem uma cultura de incentivo à desigualdade de gênero, pregam a inferioridade das mulheres e promovem o ódio a mulheres e meninas.